Monitores de frequência cardíaca para medir estresse em lobos-guará no Cerrado brasileiro

blog

LarLar / blog / Monitores de frequência cardíaca para medir estresse em lobos-guará no Cerrado brasileiro

Aug 26, 2023

Monitores de frequência cardíaca para medir estresse em lobos-guará no Cerrado brasileiro

Na escuridão total, o biólogo Rogério Cunha de Paula, que há 25 anos pesquisa o lobo-guará (Chrysocyon brachyurus), e seu colega Ricardo Pires Boulhosa dirigem pela poeira

Na escuridão total, o biólogo Rogério Cunha de Paula, que há 25 anos pesquisa o lobo-guará (Chrysocyon brachyurus), e seu colega Ricardo Pires Boulhosa percorrem com duas gaiolas as poeirentas plantações de cana-de-açúcar do Nordeste paulista firmemente amarrado à parte traseira da picape. Eles quase não veem nada e se perdem facilmente entre os juncos altos. Felizmente o Rogério tem GPS. Antes da meia-noite, as gaiolas são instaladas junto com as armadilhas fotográficas no topo de uma montanha com vista para a cidade de São José do Rio Pardo. Os cabos de alta tensão que os rodeiam não constituem obstáculo para os lobos, que são atraídos para dentro da jaula pelo seu conteúdo: frango, bacon e sardinha.

Com delicadeza e anos de experiência, Rogério, que é coordenador do programa do CENAP (Centro Nacional de Pesquisas para Conservação de Mamíferos Carnívoros), faz o entalhe na madeira um pouco mais profundo para que o arame preso a ele permita que a placa de pressão funcione de maneira ideal quando o lobo-guará entrou na jaula com suas longas patas. Os primeiros passos para uma expedição bem-sucedida foram dados.

Durante duas semanas, uma equipe de biólogos e veterinários percorrerá essa área do bioma Cerrado para examinar o maior número possível de lobos-guará e implantar dispositivos subcutâneos de monitoramento de frequência cardíaca em seis deles para mapear os níveis de estresse que um habitat dominado pelo homem acarreta. .

O Cerrado, uma área semelhante a uma savana no centro-oeste do Brasil, é a área central do lobo-guará e também uma região densamente ocupada por culturas e pastagens. Metade de sua vegetação nativa já foi perdida para a agricultura e pecuária. À medida que o desmatamento continua, o lobo-guará é empurrado cada vez mais para as periferias das cidades, onde tenta sobreviver em uma paisagem surreal.

Pela primeira vez, os investigadores estão a medir como as atividades humanas influenciam a frequência cardíaca e outros aspectos fisiológicos relacionados com o funcionamento cardiovascular. O resultado provavelmente indicará que os níveis de estresse dos lobos-guará em áreas agrícolas serão mais elevados do que os dos lobos que vivem num parque nacional. Além do estresse, que afeta a reprodução e, em última instância, a sobrevivência da espécie, a sarna canina — provavelmente transmitida por cães domésticos — também representa uma séria ameaça à sua conservação.

Na manhã seguinte, os outros dois membros da equipe estão prontos para inspecionar as primeiras gaiolas. Rosana Nogueira de Moraes, pesquisadora sênior do Smithsonian Conservation Biology Institute (SCBI), no estado norte-americano da Virgínia, lidera a pesquisa de monitoramento cardíaco e está ocupada carregando todos os instrumentos esterilizados na picape. Flávia Fiori, veterinária do Pró-Carnívoros (Instituto de Conservação dos Carnívoros Neotropicais), complementa a enorme quantidade de material com uma caixa de tubos de ensaio e conjuntos de roupas médicas.

À distância, vejo um grupo de espectadores curiosos no campo de uma granja. Dentro da gaiola está uma bela fêmea de lobo-guará, animal que não é um lobo de verdade, mas sim uma raposa de patas longas. Fico cara a cara com esse lindo animal, o maior canídeo selvagem da América do Sul.

O lobo, que normalmente tem frutas e roedores no cardápio, desta vez fez uma viagem a uma granja de galinhas. Os agricultores do bairro que não tomaram as devidas precauções contra este ladrão de galinhas estão sofrendo perdas significativas. Um fazendeiro perdeu 500 galinhas para o lobo-guará em poucas semanas. Embora ele coma apenas alguns, a maioria morre de estresse agudo. Ricardo, que também trabalha na Pró-Carnívoros, conversará posteriormente com os agricultores para buscar soluções adequadas.

Rogério e Flávia caminham até a jaula onde Lupe — assim chamam o espécime — emite sons potentes. Ela tem filhotes em algum lugar próximo onde ela quer ir. O som chega até o vale da montanha. Está quente e cheio de mosquitos e insetos. Não são as condições ideais para realizar uma operação. Rogério e sua equipe decidem sedar Lupe e transportá-la o mais rápido possível para outro local, um pouco mais distante. Longe dos insetos.